quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Conto - "Chuva"

Paulo Pedro era um morador de uma distante ilha chamada oficialmente de Santa Felizberta, mas que era mais conhecida mundo afora pelo nome de "A Triste Berta", não porque seus habitantes fossem antipáticos e mal humorados (eram, na verdade, um povo muito unido e acolhedor com os estrangeiros), mas sim pelo fato de que, naquele curioso pedaço do mundo, a chuva estava sempre presente. O sol até aparecia por lá uma vez ou outra, mas a chuva permanecia insistentemente, vinda dos céus carregados de nuvens negras, que já faziam parte da paisagem do local. Devido às condições climáticas, o povo de Santa Felizberta era acostumado a fazer tudo dentro de luares fechados, para evitar ficarem molhados o tempo inteiro.

Os felizbertanos, apesar de um povo alegre e receptivo, não tinham o menor interesse em visitar outros cantos do mundo, de forma que um lugar sem chuva era algo que nenhum deles havia visto pessoalmente, e Pedro Paulo não era exceção, apesar de desejar intimamente viajar pelo mundo. Ele já ouvira milhares de visitantes declararem incansavelmente que não entendiam como o povo daquela maldita ilha conseguia manter seu bom humor em um lugar onde todas as atividades eram realizadas longe da presença de um sol acolhedor e revigorante. Eles diziam a Pedro Paulo que este devia mudar-se assim que tivesse condições para tanto, pois, se ele já era feliz em um lugar como aqueles, seria mais ainda em outras terras. O jovem sentia-se tentado. Seu espírito aventureiro não era compatível com aquela vida simples e calma. Ele desejava ver o resto do mundo, e adorava conversar com estrangeiros. Porém, como não tinha meios de financiar sua viagem, vivia da melhor forma possível seus dias n'A Triste Berta.

Um dia (que tinha tudo para ser "apenas mais um dia"), Pedro Paulo foi interrompido no bar "Chuva Alcoólica", durante um delicioso gole de cerveja, por um estranho, que ele supôs que fosse mais um dos rotineiros turistas atrás de curiosidades sobre a ilha ou sobre o dia-a-dia da população local. O turista apresentou-se como "Paulo Pedro", e a primeira coisa que Pedro Paulo notou em sua aparência foi que ele parecia vir de um local muito seco, pois usava vestimentas próprias para caminhadas no deserto, de acordo com o que o jovem via em livros e filmes. Após uma breve conversa, Paulo Pedro contou ao felizbertano que não estava ali para visitar a ilha, mas sim porque precisava de um pouco da chuva do local, para levá-la a seu país, que sofria com a falta de água. Ele explicou que, durante o período em que a água fosse levada, a chuva cairia sobre "A Triste Berta" como em qualquer outro lugar, pois não haveria quantidade suficiente para chover o tempo todo, e também ressaltou que isso não seria ruim, o resto do mundo vivia perfeitamente desta forma, e que um pouco de "períodos secos" seriam até benéficos à Santa Felizberta. Quando seu povo tivesse meios de produzir chuva por sua própria conta (o que já estavam próximos de alcançar), a água seria devolvida.

Após uma longa conversa, Pedro Paulo se decidiu a ajudar o estrangeiro, mas de forma discreta, pois tinha quase certeza que a ideia não agradaria ao resto do habitantes. Aliás, ele era provavelmente o único que via na ideia uma chance de experimentar o mundo afora sem ter de sair do local. Portanto, conduziu Paulo Pedro até o pico da montanha mais alta da ilha. Lá, o estrangeiro retirou de seu manto uma longa garrafa, onde coletou uma incrível quantia de água. Agradeceu incessantemente a Pedro Paulo, e disse que voltaria assim que possível para devolver a água.

Após alguns dias, a chuva, pela primeira vez na história de Santa Felizberta, parou de cair. O povo não acreditva no que via. No início, a maioria via aquilo como uma tragédia, e cada um tentava explicar o ocorrido com suas próprias teorias. Porém, com o passar do tempo, os felizbertanos começaram a reconhecer que este equilíbrio entre chuva e seco era realmente maravilhoso, e, dois anos após a partida de Paulo Pedro, o dia em que a chuva parou foi declarado feriado nacional. Pedro Paulo, vendo o sucesso de seu feito, quis revelar-se o responsável pela maravilhosa mudança, mas optou por não comentar nada com ninguém, pois todos estavam felizes pensando que aquilo havia sido obra de seres superiores.

Sete anos passaram-se desde que a chuva fora levada por Paulo Pedro, até que, enfim, chegou o dia em que ele retornou a Santa Felizberta, para comprir sua promessa. Decidiu levá-la a seu "semi-xará", para que ele devolvesse a chuva aos céus no momento que julgasse mais apropriado. Encontrou um Pedro Paulo adulto, mas não menos cheio de energia. Estava vestido com roupas de luxo. O felizbertano o chamou para conversar em sua casa, que era imensa e recheada de enfeites caros. A primeira coisa que disse foi que o estrangeiro podia passar o tempo que quisesse na ilha, mas que deveria levar a água de volta. Ao perceber a perplexa expressão na face do outro, lhe explicou que os habitantes da ilha estavam mais felizes que nunca, e que, caso lhes fosse proposta a volta da chuva permanente, eles provavelmente expulsariam o autor de tal proposta. Paulo Pedro disse que levaria a chuva de volta, mas que ficaria um pouco na ilha para descansar. Durante sete dias, ficou hospedado na mansão de Pedro Paulo. Durante este tempo, descobriu que seu "semi-xará" havia se tornado presidente da ilha. Isto havia ocorrido porque um dia Pedro Paulo havia decidido revelar a verdade sobre a parada da chuva permanente. Disse, também, que a chuva seria devolvida algum dia. A princípio, ninguém acreditara, mas, conforme o tempo se passava, Pedro Paulo ia convencendo cada vez mais pessoas, até que, nas últimas eleições, ele havia sido eleito presidente. Pelo que ele ouviu, o motivo pelo qual as pessoas decidiram votar nele foi que a população acreditava que, por ele ser o único que sabia quem era o misterioso homem que um dia devolveria a chuva, somente ele poderia garantir que seria capaz de parar o tal homem antes disso, pois ningúem mais sabia como tirar e por chuva em lugar nenhum. Logo, se a chuva fosse devolvida, eles jamais poderiam viver ao ar livre novamente.

Após os sete dias, Paulo Pedro se foi, não antes de ser obrigado a prometer que voltaria para a "Festa Seca", que era comemorada no dia que a chuva havia parado. Afinal, como havia ressaltado seu amigo presidente, era por causa dele, Paulo Pedro, e seu "semi-xará", Pedro Paulo, que esta festa existia. Durante sua volta para casa, carregando sua água de volta, o "Salvador de Berta" como ficou conhecido Paulo Pedro, refletia sobre como as pessoas podem viver extremamente bem suas vidas como são, por pior que sejam as condições as quais elas são expostas. Porém, se elas tomam contato com uma realidade melhor, é impossível que se contentem com o que tinham antes.

- Ainda bem que posso levar esta água de volta. - pensou cosigo - Se dissesse que teria de devolve-la de qualquer jeito, é bem provável que me matassem. - E continuou sua viagem, às gargalhadas.